A pedido das Nações Unidas, a Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) produziu um informe em que analisa o ambiente vivido pelas mulheres jornalistas no Brasil. Entre ofensas misóginas e machistas, descredibilização do trabalho e exposição de informações pessoais, as jornalistas brasileiras foram atacadas 20 vezes de jan. 2019 a fev.2020.

Em 16 dos episódios, os autores foram autoridades públicas. No ano de 2019, foram 17 casos, dos quais 13 foram perpetrados por figuras como deputados federais e estaduais, ministros e o próprio presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido). Já em 2020, até fevereiro, a Abraji registrou 3 casos — todos perpetrados por representantes políticos.

É importante frisar que o monitoramento levou em conta apenas os casos de conhecimento público, monitorados pela Abraji, e aqueles em que a Associação emitiu notas de repúdio. Há inúmeros relatos de outras regiões do Brasil ou de repórteres que, por medo, não denunciam seus agressores.

Regiões com escassa cobertura jornalística local e a ausência de espaços para a discussão de gênero na profissão podem agravar o cenário. É o que afirma Kátia Brasil, cofundadora da agência de jornalismo independente Amazônia Real.

“A maior parte da categoria é formada por mulheres, percebemos isso no mercado e nas salas de aula das universidades. Mas falta a discussão da igualdade entre os nossos pares. Isso cria um silenciamento de nós, mulheres. E cresce a violência. Onde a voz das jornalistas vai ecoar se não há espaços para fala?”, questiona.

A jornalista pontua que, além de fortalecidos, os espaços de discussão devem ampliar o leque de questões abordadas. Em um país estruturado em desigualdades, há mais intersecções que afetam a vida dessas jornalistas. “Temos que trazer as mulheres negras, indígenas, transexuais, de diferentes orientações sexuais. Conversar sobre a diversidade”.

Violência de gênero

No levantamento encaminhado à ONU na semana em que o mundo celebra o Dia Internacional da Mulher, a Abraji também lembrou a violência invisibilizada, que marca a trajetória profissional de muitas jornalistas no Brasil.

Em 2017, pesquisa realizada em parceria com a Gênero e Número entrevistou mais de 470 jornalistas mulheres, pertencentes a 270 diferentes veículos de imprensa, e constatou: a discriminação de gênero é uma realidade dentro dos espaços de trabalho.

Com apoio do Google News Lab (hoje Google News Initiative), o estudo “Mulheres no Jornalismo Brasileiro” revelou que mais da metade das entrevistadas afirmaram ter tido sua competência questionada ou ter visto uma colega ter a competência questionada por ser mulher.

Além disso, 84% das jornalistas relataram já ter sofrido ao menos uma das seguintes situações de violência psicológica: insultos verbais; humilhação em público; abuso de poder ou autoridade; intimidação verbal escrita ou física; tentativa de danos a sua reputação; ameaça de perder o emprego em caso de gravidez; ameaças pela internet; ou insultos pela internet.

As jornalistas atuantes em redações de todo o Brasil enfrentam constrangimentos não somente na arena pública, quando são vítimas de assédio e ataques após publicar uma reportagem ou realizar uma apuração. Essas profissionais também precisam lidar rotineiramente com atitudes machistas dos próprios colegas e superiores no espaço de trabalho.

A pesquisa mostra que 73% das entrevistadas afirmaram já ter escutado comentários ou piadas de natureza sexual sobre uma mulher ou mulheres no seu ambiente de trabalho.

Medidas importantes

A ONU também solicitou recomendações para melhorar o bem-estar das mulheres jornalistas. Na pesquisa feita pela Abraji e a Gênero e Número, há algumas propostas. Entre elas: criar um canal de comunicação interno nas redações para que vítimas de abuso e assédio possam fazer a denúncia formal e produzir cartilhas para funcionários e colaboradores definindo o assédio cometido por uma fonte e indicando os procedimentos a serem adotados pelas repórteres quando forem vítimas desses atos.

O material também destaca a importância de ações que pensem na própria produção jornalística do veículo. Organizar grupos de monitoramento de diversidade de gênero que produzam relatórios periódicos sobre a diversidade das fontes ouvidas para os conteúdos e a diversidade das contratações feitas; além de capacitar todos os repórteres em temas de diversidade são medidas igualmente importantes.

Em jun.2020, a Relatora Especial da ONU sobre violência contra as mulheres, Dubravka Šimonović, publicará novo relatório com dados do mundo inteiro que esboçam os desafios a serem enfrentados, e apresentam recomendações para que governos e sociedade civil possam solucionar essas questões.

Também nesta semana, em 8.mar.2020, diretoras da Abraji publicaram na Folha de S. Paulo e em vários veículos do país o artigo “Mulheres jornalistas sob ataque”, sobre o que tem sido observado em relação às violações sistemáticas contra comunicadoras.

“Ecoar o machismo e a misoginia aumenta o risco para todas as mulheres brasileiras. Desgastar a liberdade de imprensa desfia o nosso já puído tecido democrático. Aqueles que têm apreço pela democracia precisam defender as vozes das mulheres jornalistas e se opor às tentativas de intimidá-las. Caladas, jamais serão”, alerta o texto.

Reprodução: Abraji - Comunique-se