As conversas no telegram entre o atual ministro da Justiça Sergio Moro e o procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa Lava-Jato, vazadas neste domingo pelo site The Intercept Brasil não deixam margens a dúvidas: o então juiz Moro atuou, de forma absolutamente inapropriada e inconstitucional, como parte da acusação na operação que resultou na condenação do ex-presidente Lula; a “república de Curitiba” também agiu conjuntamente, de forma partidária, para interferir no resultado da eleição de 2018 e impedir que o PT voltasse ao poder.
Estes dois pontos de ilegalidade na ação dos principais nomes da Lava-Jato são documentados nos chats entre o juiz e Dallagnol e dos procuradores entre si revelados pelo site. Constitucionalmente, é vedado a um juiz interferir no processo penal: a figura do acusador e do julgador não podem se misturar. No entanto, Moro aparece em diversos momentos atuando de forma coordenada com o subprocurador, dando dicas, fazendo críticas e sugestões a Dallagnol.
Com a Justiça inteiramente aparelhada pela extrema direita, quem acredita que serão mesmo Moro e Dallagnol os acusados pelas ilegalidades e não o jornalista que as revelou?
“Não é muito tempo sem operação?”, pergunta o juiz. “Deveríamos rebater oficialmente?”, questiona, sobre críticas feitas pelo PT à Lava-Jato. “Em março de 2016”, diz a reportagem, “Moro irritou-se com o que considerou um erro da Polícia Federal. ‘Tremenda bola nas costas da PF’, digitou o então juiz. As justificativas apresentadas por Dallagnol não o convenceram. ‘Continua sendo lambança. Não pode cometer esse tipo de erro agora’.”
Em outro trecho da série, os procuradores conversam sobre a necessidade de negar qualquer entrevista de Lula e assim impedir que Fernando Haddad ganhe a eleição. Quando, em setembro, o ministro do STF liberou Lula para dar entrevista à Folha, “a procuradora Laura Tessler logo exclamou: ‘Que piada!!! Revoltante!!! Lá vai o cara fazer palanque na cadeia. Um verdadeiro circo. E depois de Monica Bergamo, pela isonomia, devem vir tantos outros jornalistas… e a gente aqui fica só fazendo papel de palhaço com um Supremo desse…'”, mostram as conversas vazadas por uma fonte anônima ao site. “Após uma hora, Tessler deixou explícito o que deixava os procuradores tão preocupados: ‘sei lá…mas uma coletiva antes do segundo turno pode eleger o Haddad'”.
“Uma outra procuradora, Isabel Groba, respondeu com apenas uma palavra e várias exclamações: ‘Mafiosos!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!’.” E Dallagnol se juntou às súplicas da colega identificada como “Carol PGR” para que Haddad não se elegesse.
Os diálogos são evidências inquestionáveis de que a “imparcialidade” e o “apartidarismo” da Lava-Jato eram conversa para boi dormir e deveriam ser razão para colocar todo o processo que condenou Lula sob suspeição. A reação do bolsonarismo, porém, foi tentar diminuir a importância das revelações –com a providencial ajuda, aliás, do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que correu a declarar ver uma “tempestade em copo d’água” em torno do caso– e atacar o jornalista Glenn Greenwald, publisher do The Intercept.
No youtube, canais de extrema direita chamavam Greenwald de “terrorista” e pediam sua “prisão”.
Bolsonaro support groups reacting with characteristic calm and rationality to our reporting of yesterday ("WE WANT THIS TERRORIST IMPRISONED! WHAT HE DID WAS AN ATTACK ON NATIONAL SECURITY") https://t.co/u9JDuwpi2k
— Glenn Greenwald (@ggreenwald) 10 de junho de 2019
No twitter, os filhos do presidente, Carlos e Eduardo, reforçavam os ataques a Greenwald, associando o jornalista a Lula e fazendo “acusações” tingidas de homofobia, ao apontar seguidamente que ele é casado com o deputado federal David Miranda, do PSOL-RJ. Miranda assumiu o cargo na suplência de Jean Wyllys, que renunciou.
Tinha que ter o piçóu no meio ou algo assim... a menina do PT, ou algo assim! https://t.co/uS0ByGfF8s
— Carlos Bolsonaro (@CarlosBolsonaro) 10 de junho de 2019
O @CaioCoppolla avisou há 4 meses. Hoje um hacker "qualquer" invadiu "sem pretensão" o celular de Moro e agora vaza tudo no Intercept, que é a mídia de Glenn Greenwald. Sabe que é Glenn? É o companheiro do dep. David Miranda (PSOL-RJ) que entrou na vaga deixada por Jean Wyllys. pic.twitter.com/NBj60D7n4A
— Eduardo Bolsonaro?? (@BolsonaroSP) 10 de junho de 2019
Entenderam agora o que está acontecendo? Entenderam?
— Bernardo P Küster ?? (@bernardopkuster) 10 de junho de 2019
Curte e dá um RT. Vamos subir a tag #SomosTodosLavaJato pic.twitter.com/sp9DifNW2d
O @bernardopkuster traz uma luz sobre os fatos recentes. pic.twitter.com/QzinFx11Re
— Eduardo Bolsonaro?? (@BolsonaroSP) 10 de junho de 2019
A narrativa de colocar o jornalista como “terrorista” é reforçada por “reportagens” de sites reacionários, como o “Estudos Nacionais”, segundo quem Miranda, o marido de Glenn, instalou “uma central de espionagem” em seu gabinete na Câmara, ajudado por “forças globalistas e soviéticas”. Aparentemente, o editor do site ainda não foi informado sobre o fim da URSS em 1992.
Acredito que agora mais pessoas vão acreditar no Prof. Olavo @opropriolavo quando ele alertar para os perigos das ideias GLOBALISTAS (não confundir com globalização).https://t.co/wdFZ6k2MnJ
— Eduardo Bolsonaro?? (@BolsonaroSP) 10 de junho de 2019
Glenn Greenwald é norte-americano. Não é improvável que seus detratores apelem à Constituição dizendo que estrangeiros não podem possuir meios de comunicação no Brasil além da participação de 30%, e para isso contariam inclusive com o apoio da mídia comercial, que já recorreu ao Supremo contra a presença no país de portais e sites como El Pais, BBC e o próprio Intercept, mas é possível que o jornalista tenha se precavido juridicamente dessa acusação. Fato é que, diante das provas de que o processo contra Lula está viciado, todos os fuzis do bolsonarismo estão voltados contra ele.
Na tarde desta segunda-feira, a tag #DeportaGreenwald era um dos tópicos mais comentados do twitter no Brasil, com os bolsominions em fúria pedindo que o jornalista seja expulso, sem se importar a mínima que ele e Miranda tenham adotado duas crianças. Mas a “ditadura” é na Venezuela…
@SF_Moro comenta a divulgação de Greenwald de informações obtidas por criminosos. #DeportaGreenwald pic.twitter.com/qfgJ7221yF
— Bernardo P Küster ?? (@bernardopkuster) 10 de junho de 2019
Glenn Grenwald tem que ser imediatamente deportado por ter ferido o sigilo cibernético de um Ministro de Estado, causando um furdunço a nível nacional. Não a toa ele é "casado" com o deputado David Miranda (expulso do Reino Unido por espionagem).#DeportaGreenwald
— Sara Winter (@_SaraWinter) 10 de junho de 2019
A pergunta que não quer calar: Glenn Greenwald já está sendo investigado?
— Flávio Gordon (@flaviogordon) 10 de junho de 2019
Não podiam faltar as ameaças literais dos fãs de ditadura e tortura e dos famosos “cidadãos de bem” que gostam de resolver tudo na porrada.
Com a Justiça inteiramente aparelhada pela extrema direita, quem acredita que serão mesmo Moro e Dallagnol os acusados pelas ilegalidades e não o jornalista que as revelou?
#DeportaGreenwald NAO TEM QUE DEPORTAR,TEM QUE LINCHAR UM CARA DESSES QUE DEFENDE BANDIDO E ESCULACHA A INTELIGÊNCIA DO POVO.. É PRECISO ENTRAR NO CONGRESSO E RETIRAR AQUELE DEPUTADINHO ?? DO PSOL NO CHUTE
— Roberto BATISTA (@Roberto47193023) June 10, 2019
Escrito por: Cynara Menezes - Socialsta Morena