Este texto é fruto de debates acumulados ao longo das últimas décadas, em especial da I Conferência Nacional de Comunicação (CONFECOM), sistematizados no seminário Marco Regulatório – Propostas para uma Comunicação Democrática, realizado pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), com a participação de outras entidades nacionais e regionais, em 20 e 21 de maio de 2011, no Rio de Janeiro. A primeira versão foi colocada em consulta pública aberta, e recebeu mais de 200 contribuições, que foram analisadas e parcialmente incorporadas neste documento. A Plataforma tem foco nas 20 propostas consideradas prioritárias na definição de um marco legal para as comunicações em nosso país. Ao mesmo tempo em que apresenta essas prioridades, este texto tem a pretensão de popularizar o debate sobre as bandeiras e temas da comunicação, normalmente restrito a especialistas e profissionais do setor. Essa é a referência que este setor da sociedade civil, que atuou decisivamente na construção da I CONFECOM, propõe para o conteúdo programático deste debate que marcará a agenda política do país no próximo período.
Por que precisamos de um novo Marco Regulatório das Comunicações?
Há pelo menos quatro razões que justificam um novo marco regulatório para as comunicações no Brasil. Uma delas é a ausência de pluralidade e diversidade na mídia atual, que esvazia a dimensão pública dos meios de comunicação e exige medidas afirmativas para ser contraposta. Outra é que a legislação brasileira no setor das comunicações é arcaica e defasada, não está adequada aos padrões internacionais de liberdade de expressão e não contempla questões atuais, como as inovações tecnológicas e a convergência de mídias. Além disso, a legislação é fragmentada, multifacetada, composta por várias leis que não dialogam umas com as outras e não guardam coerência entre elas. Por fim, a Constituição Federal de 1988 continua carecendo da regulamentação da maioria dos artigos dedicados à comunicação (220, 221 e 223), deixando temas importantes como a restrição aos monopólios e oligopólios e a regionalização da produção sem nenhuma referência legal, mesmo após 23 anos de aprovação. Impera, portanto, um cenário de ausência de regulação, o que só dificulta o exercício de liberdade de expressão do conjunto da população.
A ausência deste marco legal beneficia as poucas empresas que hoje se favorecem da grave concentração no setor. Esses grupos muitas vezes impedem a circulação das ideias e pontos de vista com os quais não concordam e impedem o pleno exercício do direito à comunicação e da liberdade de expressão pelos cidadãos e cidadãs, afetando a democracia brasileira. É preciso deixar claro que todos os principais países democráticos do mundo têm seus marcos regulatórios para a área das comunicações. Em países como Reino Unido, França, Estados Unidos, Portugal e Alemanha, a existência dessas referências não tem configurado censura; ao contrário, tem significado a garantia de maior liberdade de expressão para amplos setores sociais. Em todos estes países, inclusive, existem não apenas leis que regulam o setor, como órgãos voltados para a tarefa de regulação. A própria Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão da Organização dos Estados Americanos destaca, em sua agenda de trabalho, o papel do Estado para a promoção da diversidade e pluralidade na radiodifusão.
Princípios e objetivos
O novo marco regulatório deve garantir o direito à comunicação e a liberdade de expressão de todos os cidadãos e cidadãs, de forma que as diferentes ideias, opiniões e pontos de vista, e os diferentes grupos sociais, culturais, étnico-raciais e políticos possam se manifestar em igualdade de condições no espaço público midiático. Nesse sentido, ele deve reconhecer e afirmar o caráter público de toda a comunicação social e basear todos os processos regulatórios no interesse público.
Para isso, o Estado brasileiro deve adotar medidas de regulação democrática sobre a estrutura do sistema de comunicações, a propriedade dos meios e os conteúdos veiculados, de forma a:
assegurar a pluralidade de ideias e opiniões nos meios de comunicação;
promover e fomentar a cultura nacional em sua diversidade e pluralidade;
garantir a estrita observação dos princípios constitucionais da igualdade; prevalência dos direitos humanos; livre manifestação do pensamento e expressão da atividade intelectual, artística e de comunicação, sendo proibida a censura prévia, estatal (inclusive judicial) ou privada; inviolabilidade da intimidade, privacidade, honra e imagem das pessoas; e laicidade do Estado;
promover a diversidade regional, étnico-racial, de gênero, classe social, etária e de orientação sexual nos meios de comunicação;
garantir a complementaridade dos sistemas público, privado e estatal de comunicação;
proteger as crianças e adolescentes de toda forma de exploração, discriminação, negligência e violência e da sexualização precoce;
garantir a universalização dos serviços essenciais de comunicação;
promover a transparência e o amplo acesso às informações públicas;
proteger a privacidade das comunicações nos serviços de telecomunicações e na internet;
garantir a acessibilidade plena aos meios de comunicação, com especial atenção às pessoas com deficiência;
promover a participação popular na tomada de decisões acerca do sistema de comunicações brasileiro, no âmbito dos poderes Executivo e Legislativo;
promover instrumentos eletrônicos de democracia participativa nas decisões do poder público.
O marco regulatório deve abordar as questões centrais que estruturam o sistema de comunicações e promover sua adequação ao cenário de digitalização e convergência midiática, contemplando a reorganização dos serviços de comunicação a partir da definição de deveres e direitos de cada prestador de serviço. Sua estrutura deve responder a diretrizes que estejam fundadas nos princípios constitucionais relativos ao tema e garantam caráter democrático para o setor das comunicações.