Representantes de todos os segmentos do Judiciário trabalhista fizeram coro com dirigentes sindicais para mostrar, por meio da experiência cotidiana do julgamento de fraudes trabalhistas, que o texto representa exatamente o oposto.

Conforme explicou o procurador do Ministério Público do Trabalho (MPT), Helder Santos Amorim, com a permissão de terceirizar a atividade-fim (a principal da empresa), a empresa poderá funcionar sem qualquer trabalhador e ficará livre de funções sociais e constitucionais.

Uma delas é a obrigação de contratar pessoas com deficiência ou menores aprendizes, já que essas obrigações estão atreladas ao número de trabalhadores empregados. O direito previsto no artigo 11 da Constituição, de eleger um representante dos trabalhadores a partir de 200 empregados, também fica prejudicado.

Além disso, ressaltou o procurador, a terceirização pode ser um meio de frear greves e destruir a organização sindical e inviabilizar acordos e convenções coletivas, que asseguram direitos e melhores condições sociais, por meio da ameaça de terceirização.

“O grande drama da terceirização nas atividades centrais é remeter o trabalho ao mercado de serviços que, por sua vez, está submetido à lei da oferta e procura. Essa lógica concorrencial diminui o salário do trabalhador, que tem de ser oferecido pelo menor preço, senão não haverá vantagem nesse negócio nem para o tomador de serviço, nem para a empresa de terceirização”, explicou.

Não à toa, conforme estudo do Dieese lançado neste ano, a remuneração média de um terceirizado é 27,5% menor do que a de um contratado direito.

“O Ministério Público não terá nenhuma sugestão no projeto de aperfeiçoamento da lei enquanto não houver a disposição da Casa Legislativa em excluir a terceirização na atividade-fim”, acrescentou.

Senado garante debate

Nesse cenário, se a aprovação do PL 4330 na Câmara dos Deputados por 324 votos a favor unificou a base patronal – 50% dos votos foram de parlamentares ligados aos patrões –, fora da cúpula congressual os trabalhadores e juristas mostram unidade.

Na audiência, CUT, UGT, CTB, Conlutas e Nova Central deixaram claro que as paralisações previstas para o próximo dia 15 de abril será apenas o primeiro passo.

Secretária de Relações do Trabalho da CUT, Graça Costa destacou que a Central não abrirá dialogo sobre um projeto que piora o que já é ruim.

“Se temos 12,5 milhões de trabalhadores terceirizados que ganham 25% a menos que os contratados diretos, se a cada 10 acidentes, oito são com terceirizados, se a cada cinco mortes, quatro são de terceirizados, porque seremos a favor do projeto que, além de não permitir igualdade de direitos, ainda abre portas para que os demais 34 milhões de trabalhadores ainda sejam tratados dessa forma?”, questionou.

A deputada Érika Kokay (PT-DF) classificou o PL como uma violência contra os trabalhadores, inclusive no processo de discussão. Ela fez referência às agressões sofridas por militantes na semana passada e comparou  o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), a Luiz XIV, da França, a quem se atribui a célebre fase “eu sou o Estado”.

Na ocasião, o presidente da Câmara impediu a entrada do movimento sindical às galerias da Casa, mas permitiu a circulação de empresários.

Ao menos no Senado, a discussão está garantida. De acordo com o senador Paulo Paim (PT-RS), o requerimento para garantir uma sessão temática no plenário do Senado foi aceito pelo presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL).

Paim também apresentou um requerimento para que a Comissão de Direitos Humanos, responsável pela audiência desta segunda, e a Comissão de Assuntos Econômicos também possam emitir parecer sobre o projeto.

Súmula 331 continua – Por enquanto, na ausência de uma legislação específica, o presidente do TST (Tribunal Superior do Trabalho) Antônio José Levenhagen, garantiu que a aplicação da Súmula 331, que impede a terceirização na atividade-fim, permanece.

Ele defendeu ainda barreiras como um percentual de 30% para a terceirização e a responsabilidade solidária, aquela em que a empresa contratante é automaticamente cobrada por dívidas trabalhistas acumuladas pelas terceirizada contratada.

As regras, salientou, visam deixar o valor social do trabalho e a livre iniciativa das empresas no mesmo patamar, sem que um seja mais importante do que o outro.

“Em todos os países de democracia liberal há o direito do Trabalho e a regra é a proteção do empregado, que é a parte economicamente mais frágil. Temos ainda o artigo 8º da Constituição, que dá o norte ao juiz e determina que nenhum interesse particular ou de classe prevaleça sobre o interesse coletivo da nação. Será que podemos dar à empresa maior produtividade subtraindo os direitos dos trabalhadores terceirizados?”, questionou.

Congresso prejudica

Para a secretária Geral da Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho), Noemia Porto, o projeto não visa o aperfeiçoamento dos riscos de acidente de trabalho e não trata dos baixos salários e da baixa qualificação oferecida aos terceirizados. Pelo contrário, aponta, trata do aprofundamento desses problemas.

“Há um contraste entre a promessa de postos de trabalho e o aprofundamento do que chamamos de zonas de fragilidade do trabalho no Brasil.”

Noemia citou como exemplo o setor bancário, em que a lucratividade dos bancos aumentou, mas a mão de obra encolheu. “Essa é uma combinação perversa entre automação desregulada e a terceirização de serviços enxugando mão de obra qualificada”, definiu.

Mesmo no setor público, salienta, o que se observa é um engrandecimento do Estado brasileiro, mas não por meio de empregos e cargos públicos protegidos e sim em razão do trabalho terceirizado.

Para ela, o parlamento brasileiro deveria se preocupar em aperfeiçoar e não em destruir os marcos existentes. “O que preocupa é que o PL 4330 não apresenta nenhum ponto de avanço em relação à 331 e sim retrocesso. O que se poderia esperar é que o Congresso Nacional incorporasse essa experiência e trouxesse um marco regulatório melhor do que o Judiciário construiu em 40 anos de experiência”, criticou.

Passado tenebroso

Segundo a assessora técnica do Dieese, Lilian Arruda, o PL 4330 retoma o princípio do início da terceirização no Brasil, que chegou junto com o governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) como resposta de barateamento da produção num cenário de baixo crescimento e recessão.

“O modelo é para reduzir custos e não para especialização técnica. Precisamos de um prazo maior para a negociação, porque apesar de o projeto estar há muito tempo na Câmara, a negociação é recente.”

A agilidade na tramitação do projeto, porém, pode esconder outros interesses. Como destacou o presidente da ANPT (Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho), Carlos Azevedo Lima, quanto maior a terceirização, mais difícil fiscalizar e responsabilizar fraudadores em uma cadeia produtiva tão fragmentada. Inclusive no setor público.

“Ao permitir a contratação sem regras e sem concurso no setor público, voltaremos à era do nepotismo e dos funcionários contratados pela indicação de alguém” definiu.

Reprodução: CUT