Desde as manifestações de junho de 2013, quando a presidenta Dilma propôs uma constituinte exclusiva para a reforma política, a disputa sobre os rumos e o conteúdo destas mudanças foi retomada com novo vigor.

Ao longo de toda a campanha eleitoral, a candidata do PT defendeu a reforma política como parte do enfrentamento à corrupção e a realização de um plebiscito tratando das principais mudanças a serem realizadas no sistema político.

Ao mesmo tempo, a sociedade rompeu o cerco que limitava as discussões sobre a reforma política ao parlamento, à mídia, ao judiciário e aos governos. A realização do Plebiscito Popular por uma Constituinte Exclusiva e Soberana do sistema político, impulsionado por movimentos sociais, partidos de esquerda e organizações populares, mobilizou - a despeito do silêncio dos grandes meios de comunicação - centenas de comitês, milhares de ativistas e o apoio de quase oito milhões de pessoas em todo o país.

Congresso conservador: mais dinheiro, menos povo

Embora o campo democrático e popular tenha vencido as eleições presidenciais, prevaleceu no resultado eleitoral da maioria dos estados e do Congresso Nacional o poder econômico, a redução da representação dos setores populares e a ampliação das bancadas conservadoras.

Com um custo estimado em quase 5 bilhões de reais, as eleições de 2014 foram as mais caras da nossa história, de acordo com levantamento do jornal Folha de São Paulo a partir das prestações de contas enviadas ao Tribunal Superior Eleitoral.  [1]

As empresas foram responsáveis pela maior parte deste financiamento. Nas eleições da Câmara dos Deputados, por exemplo, um pequeno número de corporações que foram as maiores financiadoras – como a JBS, o Bradesco, o grupo Vale, o Itaú, a OAS, a Ambev, a Andrade Gutierrez, a Odebrecth, a UTC Engenharia e a Queiroz Galvão – fizeram doações para 70% dos deputados eleitos em 2014.   [2]

Outra marca das eleições e do próximo Congresso é a acentuada pulverização partidária, com a representação na Câmara dos Deputados passando de 22 para 28 partidos. A permissividade com as coligações nas eleições proporcionais, possibilitando alianças sem coerência ideológica e programática, acentuaram esta dispersão e a distorção entre os candidatos e partidos escolhidos pela população e os que de fato são eleitos.

A combinação de vários desses fatores resultou, de acordo com o DIAP (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar), na eleição do Congresso Nacional mais conservador desde a redemocratização.

Por um lado, aumentou o número de deputados eleitos ligados aos ruralistas (257), empresários (190), aos militares/policiais (55) e à bancada evangélica (52). De outro, caiu o número de parlamentares ligados aos trabalhadores e aos temas sociais (apenas na Câmara, a bancada sindical deve cair de 83 para 46 deputados). Partidos de esquerda também tiveram suas bancadas reduzidas em relação à 2010, como a do PT, que caiu de 88 para 70 deputados e a do PCdoB, que passou de 15 para 10 parlamentares.   [3]

Além disso, persiste a sub-representação das maiorias populares. Passados 80 anos desde a eleição da primeira mulher ao cargo de deputada federal no Brasil e com as mulheres correspondendo a mais da metade da população brasileira, a bancada de deputadas cresceu apenas 10% em relação a 2010, passando de 46 para 51 deputadas (9,9%); no Senado, dos 27 eleitos somente 5 são mulheres, totalizando 11 senadoras (13,6%). Para o executivo, Dilma foi reeleita presidenta, mas apenas o estado de Roraima elegeu uma mulher governadora.

Esta desigualdade também é percebida em relação à presença de negros, índios e jovens nos espaços de representação política. De acordo com o Censo de 2010 do IBGE, 50,7% da população brasileira se declara preta ou parda, mas apenas 20% dos deputados eleitos (103) para a legislatura que se inicia em 2015 se autodeclarou da mesma forma. E dos 513 deputados eleitos, nenhum se declarou como índio ou amarelo. No caso da juventude, embora represente 26% da população, foram eleitos apenas 23 deputados com idade até 29 anos, correspondendo a 4,5% da Câmara dos Deputados.   [4]

Contribui ainda para esta composição conservadora o papel jogado pelos grandes meios de comunicação. A manipulação do poder econômico sobre a mídia e o sistema político, o controle de políticos sobre concessões públicas de rádios e TVs, a falta de lisura de institutos de pesquisa eleitoral a estes meios associados e a própria criminalização cotidiana da ação política são apenas algumas das evidências de que a reforma política deve caminhar lado a lado com a necessária luta por uma lei da mídia democrática.

As propostas em curso

Dada a centralidade da pauta,existem hoje várias ações, campanhas e propostas que tratam da reforma política na sociedade, no Congresso Nacional e no poder judiciário.

Em relação ao Plebiscito da Constituinte, a campanha entrou em uma nova fase após a coleta de votos em setembro de 2014. Dois projetos de decreto-legislativo tramitam na Câmara dos Deputados (PDC 1508/14) e no Senado Federal (PDS 150/14), prevendo a convocação de um plebiscito oficial com a mesma pergunta do plebiscito popular: “Você é a favor de uma Constituinte Exclusiva e Soberana sobre o sistema político?”.

Com a maioria do Congresso Nacional se opondo à realização de uma reforma política popular, a luta pela constituinte seguirá como prioridade na pauta da esquerda e dos movimentos sociais, que realizarão uma grande jornada de lutas no primeiro semestre de 2015 e a reativarão os comitês populares em todo o país.

O Partido dos Trabalhadores, por sua vez, impulsiona desde os seus últimos congressos um projeto de lei de iniciativa popular a partir de quatro pontos prioritários: 1) financiamento público exclusivo de campanhas; 2) voto em lista pré-ordenada; 3) paridade de gênero e 4) convocação de Assembleia Constituinte exclusiva sobre a Reforma Política. A coleta de assinaturas para o projeto foi retomada em 2014 e a mobilização partidária tende a ganhar novo impulso nos próximos meses com a realização da segunda etapa do 5º Congresso do PT.

Outra articulação de entidades, como a CNBB, a OAB e a Plataforma dos Movimentos Sociais, lançou a Coalizão democrática para a reforma política e eleições limpas. A iniciativa também articula a coleta de assinaturas de um PL de iniciativa popular que contempla pontos como 1) a proibição do financiamento empresarial de campanha e doações limitadas por pessoas físicas; 2) eleições proporcionais em dois turnos (no 1º turno vota no partido e no 2º turno vota no candidato); 3) a paridade de gênero; 4) o fortalecimento dos mecanismos da democracia direta. Entretanto, existem pontos negativos na proposta, como as que permitem certa judicialização e interferência na autonomia e organização dos partidos políticos.

No Congresso Nacional, tramita ainda a Proposta de Emenda Constitucional 352/13, elaborada por um Grupo de Trabalho da Câmara dos Deputados, que é fundamentalmente uma contra-reforma política. A PEC Vaccarezza/Henrique Alves inclui na Constituição Federal diversas alterações conservadoras, como o voto facultativo, o fim da reeleição para cargos no Executivo, a coincidência das eleições em todos os níveis, uma modalidade de voto distrital e a constitucionalização do financiamento privado.

Ao mesmo tempo, a proibição do financiamento empresarial de campanha está sendo julgada pelo Supremo Tribunal Federal. A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4650 já recebeu o voto de 7 dos 11 ministros do STF, sendo que a maioria da corte já votou pela proibição das doações empresariais a candidatos e partidos. Atualmente, a votação está suspensa por um pedido de vistas do ministro Gilmar Mendes que dura quase um ano, motivo pelo qual foi lançada nas redes sociais a campanha #DevolveGilmar, cobrando a conclusão do voto e a consolidação do resultado.

Frente Popular pelas mudanças do sistema político

Diante dessa correlação de forças no parlamento e das propostas em curso, o campo democrático e popular precisará ampliar o enfrentamento aos setores conservadores e a capacidade de luta por mudanças estruturais como a reforma política, que tenham no diálogo com a sociedade e na mobilização popular eixos fundamentais de uma governabilidade de novo tipo.

Para tanto, são fundamentais as iniciativas de constituição de uma ampla frente política de movimentos sociais, partidos, centrais sindicais, juventudes e intelectuais, como têm defendido o PT, a CUT e outras organizações. A construção de uma frente ou um fórum nacional de lutas, que reúna o grande movimento político e social que venceu as eleições de outubro poderá ser decisiva para articular uma ação comum em relação à reforma política e outras reformas democráticas e populares.

Um primeiro ponto de unidade é cerrar fileiras contra a reforma política que não queremos, em particular a PEC 352/13, que aprofunda os problemas do sistema político atual. O PT e sua bancada já fecharam posição contrária ao projeto, mas é preciso que sigamos vigilantes contra iniciativas com este conteúdo, como as que admitem o voto distrital e a manutenção do financiamento privado.

Um segundo ponto a ser considerado é a defesa da participação popular na definição dos principais pontos da reforma política. Portanto, não é uma polêmica menor a discussão sobre a realização de um plebiscito ou referendo. Para garantirmos uma reforma política que dê voz ao povo, a participação das pessoas não pode ser reduzida aconcordância ou não com uma proposta do Congresso Nacional.

Nesse sentido, é fundamental que a presidenta Dilma deflagre uma consulta, por meio de um plebiscito oficial, sobre os principais temas da reforma política que foram assumidos pelo programa vitorioso das urnas. Temos o desafio de construir uma ampla unidade sobre o conteúdo da reforma política. A partir das campanhas e iniciativas em curso na sociedade, será preciso priorizar mudanças imediatas, que incidam já nas eleições de 2016, e outras estruturantes de um novo sistema político, para além da alteração das regras eleitorais.

Uma plataforma com este caráter, a ser sustentada por uma ampla frente popular, deveria contemplar a proibição das doações empresariais e o financiamento público de campanha, o fim das coligações nas eleições proporcionais, a votação em listas partidárias, a paridade de gênero e a simplificação dos canais de participação popular, num processo que acumule forças em torno da convocação de uma Assembléia Constituinte.

A direita, como sempre, não nos faltará e seguirá atacando em todas as frentes, inclusive nas ruas. Com o poder econômico, a grande mídia e setores do Congresso e do judiciário a serviço do campo conservador, a reforma política deve deixar o campo das boas intenções e ser encarada como uma necessidade democrática. E que só será realidade com ampla mobilização popular.

Texto escrito por: Bruno Elias é secretário nacional de movimentos populares do PT

 

Notas:

[1] Custo de R$ 5 bilhões faz campanha bater recorde, Folha de S. Paulo, 30 nov. 2014. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/197964-custo-de-r-5-bilhoes-faz-campanha-bater-recorde.shtml>

[2] As 10 empresas que mais doaram em 2014 ajudaram a eleger 70% da Câmara, O Estado de S. Paulo, 8 nov. 2014. Disponível em: <http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,as-10-empresas-que-mais-doaram-em-2014-ajudam-a-eleger-70-da-camara,1589802

[3]Mais conservador, Congresso eleito pode limitar avanços em direitos humanos, Agência Brasil, 9 out. 2014. Disponível em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2014-10/mais-conservador-congresso-eleito-pode-limitar-avancos-em-direitos-humanos>

[4] Brancos serão quase 80% da Câmara dos Deputados, Carta Capital, 8 out. 2014. Disponível em: <http://www.cartacapital.com.br/politica/brancos-serao-quase-80-da-camara-dos-deputados-3603.html>

Artigo originalmente publicano na Revista Esquerda Petista n. 3