Você que, assim como eu, nasceu em meados de 1990, dificilmente pode imaginar o que era viver em um país com taxas de inflação estratosféricas. Para se ter uma ideia, quando Itamar Franco assumiu definitivamente a Presidência da República (29 de dezembro de 1992), a inflação alcançava 1.119% no acumulado em 12 meses. O preço era um pela manhã, outro à tarde e à noite outro diferente, para o mesmo produto.

Após 26 anos do Plano Real, vale relembrar quais motivos fizeram esse plano, dentre tantos outros, lograr bons resultados e caminhar por tanto tempo como moeda nacional brasileira. Após sucessivas crises, fracassos na criação de novas moedas nacionais e o constante agravamento dos problemas econômicos e sociais brasileiros na década de 80, e decorrência da excitação da inflação, do aumento da dívida externa, e da concentração de renda, foi adotado em 1994 o plano dentre os treze de estabilização tentados no Brasil desde que se iniciou a presente crise. Após quase três décadas podemos ainda dizer que essa foi a política mais bem adotada, diferente das outras que fracassaram a longo prazo, essa parece ser a mais bem sucedida, em curto e longo período.

Inicialmente o Plano Real foi dividido em três fases iniciais e cruciais completadas em 1994. A primeira fase, composta pelo ajuste fiscal, foi apresentada pela equipe econômica como condição necessária para as outras duas fases e estendeu-se de maio de 1993 com o Programa de Ação Imediata (PAI) e a aprovação do Fundo Social de Emergências (FSE), atual Desvinculação das Receitas da União (DRU), em fevereiro de 1994. Em síntese, o PAI visava, redefinir a relação da União com os estados e municípios e do Banco Central com os bancos estaduais e federais, além de promover amplo combate à sonegação. Já o FSE era constituído pela desmembração de algumas receitas do governo federal, cujo objetivo era suavizar a exagerada aspereza dos gastos da União ditada pela Constituição de 1988.

Considerado um dos grandes trunfos do plano, a segunda fase começou com a introdução da Unidade Real de Valor (URV), no início de março de 1994, e foi constituída pela conversão dos preços para URV’s, buscando eliminar o componente inercial da inflação onde para isso era preciso “zerar a memória inflacionária”, dessa vez não utilizando o congelamento de preços e sim de forma voluntária. Para zerar essa memória, precisava criar na cabeça do cidadão que o preço não iria subir. Se um litro de leite custa 1 URV ele irá continuar assim, o que muda é quantas URV valeriam 1 real. Não existia inflação em URV. E isso servia para as pessoas entender e ter boas expectativas do plano.
Foi naquele primeiro de julho de 1994 que o Brasil depois de uma série de planos econômicos fracassados iniciou-se a terceira fase, com a reforma monetária que criou o Real. Segundo estudos da Fundação Getúlio Vargas (FGV), houve entre 1993 e 1995 uma redução de 18,47% da população miserável do país fruto do sucesso do plano.

O sucesso do Plano Real foi creditado por Fernando Henrique Cardoso aos conhecimentos técnicos da equipe econômica, ao apoio do então presidente Itamar Franco e aos acertos e erros de planos anteriores. A longo prazo, o sucesso deve-se a medidas tomadas nos anos seguintes a conversão, a exemplo a criação de políticas de metas para a inflação pelo Branco Central, em 1999, e a implementação da Lei de Responsabilidade Fiscal, em 2000

E hoje? O Brasil passa por uma crise econômica, mas não preocupado com um problema de hiperinflação, ocasionado por um processo de inércia, e sim originada de uma crise político-econômica (ainda em meados de 2014/15; ou seja, a Crise Sanitária (Novo Coronavírus - Covid-19) veio mostrar e acentuar as desigualdades que ainda percorrem as gerações do Plano Real. Em minha leitura quanto a decisão tomada pelo governo, em advento da pandemia, vejo que a atitude foi tomada de forma tardia e insuficiente, o que pode levar o país a um dano persistente no mercado de trabalho, de difícil recuperação. Temos que pensar não em uma retomada da economia, mas sim, que as pessoas e as empresas sobrevivam, além de manter os vínculos empregatícios e uma renda mínima para garantir os mínimos sociais. Porém, esse é assunto para um outro poster.

domingos isaias economista

Domingos Isaias Maia Amorim

            • Economista;
            • Mestre em Economia Rural pela Universidade Federal do Ceará (PPGER/UFC):
            • Doutorando em Economia Aplicada na Universidade de São Paulo (ESALQ/USP);
            • Pesquisador no Grupo de Estudos em Territorialidades e Desenvolvimento Regional e Urbano da Universidade Regional do Cariri;
            • Pesquisador do Núcleo de Estudos sobre Economia Aplicada, Pobreza e Desenvolvimento, da Universidade Federal do Ceará.
            • E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.