O Semiárido brasileiro reúne uma população de mais de 23 milhões de pessoas, das quais 9 milhões no meio rural. São cerca de 1 milhão e 700 mil famílias na agricultura camponesa (agricultores/as familiares, povos indígenas, comunidades quilombolas, catingueiros/as, geraizeiros/as, raizeiros/as, quebradeiras de coco, pescadores/as, ribeirinhos/as, vazanteiros/as e tantas outras identidades socioculturais). Estes/as são responsáveis por grande parte da produção de alimentos no país.

Apesar desta riqueza, é no Semiárido, sobretudo no rural, e nas pequenas cidades e periferias das médias e grandes cidades, que ainda existem dezenas de milhões de pessoas em situação de pobreza e de extrema pobreza (IBGE, 2018). Durante muitos anos a fome, a migração, a miséria e a morte foram os principais destaques e marcas do Semiárido. Nossos indicadores sociais se igualavam aos de países da África Subsaariana. A região era rotulada como problemática, sobretudo, por setores das regiões Sul e Sudeste. As soluções foram as mais diversas possíveis e aqui se cristalizou a política do combate às secas, das cestas básicas, das frentes de emergências e de toda sorte de humilhação de um povo.

Nos últimos anos, desde a Constituição de 1988, os indicadores sociais do Semiárido vêm mudando significativamente, se aproximando das outras regiões do país. Muito deste resultado se deu pelas políticas e redes de proteção social existentes atualmente na região. Podemos citar: a Aposentadoria Rural; as políticas de transferência de renda (a exemplo do Bolsa Família); os Programas de Acesso à Água (Água para Consumo Humano, a exemplo do Programa Um Milhão de Cisternas - P1MC, Água para Produção de Alimentos, a exemplo do Programa Uma Terra e Duas Águas - P1+2, Água para as Escolas Rurais, a exemplo do Programa Cisternas nas Escolas); Compras Institucionais, como o Programa de Aquisição de Alimentos - PAA e o Programa Nacional de Alimentação Escolar - PNAE, que vincula a compra de 30% dos recursos repassados pelo Governo Federal à compra da Agricultura Familiar; o Garantia Safra; o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF); a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica; o Fomento à Produção; um conjunto de políticas de Economia Solidária; e tantas outras.

A maioria destas políticas surgiu nos debates, nas proposições e no engajamento do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA). São políticas e ações que tiveram e ainda têm papel significativo na

transformação para melhoria da vida das pessoas do Semiárido, fazendo com que esta população fosse capaz de resistir a uma das estiagens mais fortes e violentas da história (2011 a 2017), sem que houvesse morte humana e migrações em massa Nordeste-Sul. Igualmente contribuíram para retirar o país do Mapa da Fome da Organização das Nações Unidas (ONU).

Por isso mesmo que nós, Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), que atuamos com o desenvolvimento do Semiárido brasileiro e que temos um dos assentos da sociedade civil no CONSEA, recebemos com surpresa, tristeza e pesar, a decisão do Governo recém empossado em revogar, por meio da Medida Provisória 870, de 01/01/2019, disposições constantes da Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (LOSAN), que visam assegurar o direito humano à alimentação adequada para todos/as os/as brasileiros e brasileiras.

A nosso ver, a medida contraria o Artigo 6º. da Constituição Federal, que estabelece os direitos sociais, dentre eles, o direito à alimentação. Com o objetivo de garantir estes direitos sociais, individuais e coletivos, a Constituição de 1988 estabeleceu a estruturação de sistemas públicos, a exemplo do Sistema Único de Saúde (SUS), Sistema de Assistência Social (SUAS) e, em 2016, o Sistema de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN).

Dentro do SISAN, o CONSEA se constitui num espaço importantíssimo de controle social e, mais que tudo, de construção de propostas e políticas sobre a alimentação saudável, elemento essencial e vital para o ser humano. A experiência do CONSEA espalha-se por vários países da América Latina e é estudada em várias universidades do Brasil e do Mundo, inclusive na ONU.

Extinguir o CONSEA é ferir de morte o SISAN e, por sua vez, as políticas de segurança alimentar e nutricional, condenando, sobretudo, as populações do Semiárido, da Região Norte e das periferias das médias e grandes cidades, à fome, à miséria e à morte. Significa privar a Presidência da República e, por sua vez, a população, de um importante órgão de assessoria com a participação da sociedade civil, que atua na implementação e no controle de Políticas Públicas que mudaram a vida de milhões de brasileiros/as.

Um Governo que pretende ser verdadeiramente democrático precisa assentar a construção de suas estratégias e políticas em processos que assegurem a participação social de forma autônoma e independente.

Neste momento em que se inicia um novo ciclo de governos, tanto na esfera nacional como estaduais, onde o conjunto da população deseja acertos nas políticas econômicas e diminuição das desigualdades sociais, a fome cresce no Brasil (dois milhões de pessoas a mais somente em 2017), ameaçando o nosso país a voltar ao Mapa da Fome. A erradicação desta tragédia exige o melhor de nós: governo e sociedade civil. 

A ASA junta-se àqueles e àquelas que se surpreenderam com a extinção do CONSEA (cidadãos/ãs comuns, parlamentares, pesquisadores/as e intelectuais; movimentos e organizações sociais; e organismos internacionais) e acredita que o fechamento do mesmo tenha sido um equívoco, normal em inícios de governos, que necessita imediata revogação do Presidente Jair Bolsonaro.

Da nossa parte, a ASA, comprometida com o bem viver da população do Semiárido e do Brasil, se coloca na condição de sempre debater, defender, propor e executar políticas de convivência com o Semiárido, no intuito de garantir os direitos dos povos e comunidades da região.

Nosso maior desejo é que o CONSEA continue sua trilha exitosa de construção e controle social de políticas públicas que visam a segurança alimentar e nutricional do Povo Brasileiro!


Semiárido Brasileiro, 03 de janeiro de 2019


Articulação Semiárido Brasileiro, ASA Brasil